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A educação especial como política pública pressupõe investimento financeiro por parte do Poder Público para garantir a sua concretização e oferecer serviços públicos voltados às pessoas com deficiência, Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação.

O financiamento da educação especial se constitui como eixo significativo para o processo de formulação, de implantação, de implementação e de avaliação das políticas públicas educacionais voltadas aos alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação, na medida em que a configuração desse financiamento no âmbito do planejamento orçamentário do Estado e a sua destinação entre instituições públicas e/ou privadas podem ser determinantes na oferta e na qualidade de serviços direcionados a esse alunado nos sistemas educacionais.

As instituições privadas filantrópicas de educação especial ocuparam(am), ao longo da história da educação especial, uma protagonismo na área educacional, seja na elaboração de políticas, seja na oferta dos serviços ao público-alvo da educação especial. Diante de uma opção política do Estado compactuada com as agências multilaterais e o segmento privado nas políticas e ações que garantissem condições para o trabalho com essa população no contexto dos sistemas educacionais públicos. Assim, a educação especial foi estruturada em poucas instituições públicas e em rede paralela de instituições privadas, que desenvolveram o seu trabalho em regime de convênios e parcerias com as secretarias de educação de estados e município.

As políticas da educação brasileira, resultado das correlações de forças políticas, nas últimas décadas, garantiram as instituições filantrópicas a possibilidade de oferta de serviços aos sujeitos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação; assim como, asseguraram a viabilidade de financiamento e convênios com o Poder Público para o desenvolvimento de suas atividades.

Por outro lado, as políticas de educação especial desenvolvidas pelo Estado brasileiro (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva/2008; Resolução nº 4, 2009; Decreto 7.611/2011), ao buscarem criar condições para o acesso, permanência dos sujeitos público-alvo da educação especial no contexto escolar, engendraram transformações nos sistemas públicos de ensino, no que tange a (re)constituição de políticas, programas, projetos, ações, serviços e organização escolar, na tentativa de garantir práticas educativas, na perspectiva inclusiva, que atendam às necessidades específicas de todos os alunos na escola.

A partir de 2011, os alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação passaram a ser contabilizados duplamente no âmbito do Fundeb, quando matriculados em classes comuns do ensino regular e no atendimento educacional especializado, podendo este ser realizado na mesma escola que o aluno frequenta, em outra do seu entorno ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, que prestem esse tipo de serviço.

Estudos apontaram que as mudanças desenvolvidas pelo Fundeb, a partir da dupla matrícula, diferenciação no fator de ponderação, bem como a implementação de diferentes programas federais têm repercutido incremento do número de matrículas do público da educação especial no Brasil e também o aumento de recursos para a educação especial nos municípios e estados brasileiros. Entretanto, não podemos afirmar que esses recursos tenham sido destinados aos sistemas educacionais públicos, considerando que essas verbas públicas podem ser destinadas às entidades privadas de educação especial, para oferecimento de serviços a essa população, refletindo as correlações de forças em torno dos recursos públicos no âmbito do Estado.

Nesse contexto, o estado do Espírito Santo, em 2014, por meio da Portaria nº 92-R (21 de maio), promove uma mudança na forma de financiamento do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e sua relação com as instituições especializadas. Por essa portaria, fica estabelecido o Credenciamento de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para atendimento educacional especializado no contraturno do ensino regular aos alunos da rede estadual e municipal que apresentam deficiência e/ou transtornos globais de desenvolvimento, nos Municípios do Estado do Espírito Santo. Essa nova política de financiamento, que cria, na prática, a “terceira matrícula”, trouxe consequências importantes nas políticas públicas de educação especial na perspectiva inclusiva levadas a cabo pelos municípios capixabas. Considerando que estes nos últimos anos têm assumido o protagonismo em relação às políticas de Educação Especial associadas, em muitos casos, às condições modestas nas finanças públicas e à precariedade de suas redes de ensino.

Nesse contexto, é possível observar que o governo do Estado do Espírito Santo tem assumido posições contraditórias nas políticas educacionais, ao mesmo tempo em que preconiza o atendimento nas escolas municipais, abre a possibilidade para as parcerias entre “organizações governamentais e não governamentais”. Além disso, reconhece no texto do Edital que “rede governamental de ensino” encontra dificuldades para ampliação do atendimento, assim recorre as instituições privadas/filantrópicas para a “continuidade do regime de colaboração”. Desse modo, o governo do estado do Espírito Santo, resolve apostar nas instituições privadas de educação especial para atendimento ao público-alvo da educação especial, ou seja, priorizar a terceirização sob uma lógica gerencialista que administra as demandas com a lógica do menor custo, enquanto assistimos à precariedade dos serviços públicos.

Diante desse contexto, essa Conferência repudia o movimento de coerção que tem sido realizado pelas instituições privadas/filantrópicas do estado do Espírito Santo em relação às famílias dos estudantes com deficiência que recebem algum tipo de atendimento nessas instituições. Essas famílias têm sido “orientadas” a optar pelo atendimento educacional especializado oferecido por essas instituições, sob o risco de não poderem mais receber o atendimento clínico. Entretanto, esse movimento coercitivo tem como finalidade principal garantir os recursos públicos oriundos da segunda matrícula do Fundeb, voltada para o atendimento educacional especializado.

A conferência livre reitera seu compromisso com a defesa de um financiamento público para escolas públicas que garantam acesso, permanência, ensino de qualidade, apropriação de conhecimento e atendimento educacional especializado para os sujeitos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Compreendemos que isso só será possível com o cumprimento da meta 20 do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), que determina a ampliação dos gastos públicos no ensino público de forma a atingir 7% do PIB em 2017 e 10% do PIB em 2024.

Assinam:

Fórum Capixaba de Educação Inclusiva

Fórum Permanente de Educação Infantil ES

Fórum Nacional Popular de Educação do ES