Compartilhe

Professores(as), estudantes e funcionários(as) do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE) vêm a público declarar o reconheci-mento à luta histórica de Paulo Freire pela justiça social, mediante a educação. É um pensamento vigoroso, crítico e esperançoso, voltado para a humanização das pessoas e do mundo; um fazer educativo, comprometido com a educação liber-tadora e com a Pedagogia dialógica, que situa o conhecimento como parte integrante e incondicional da nossa vida.

Paulo Freire concebe o conhecimento como um exercício de compreensão da realidade, ação que se faz pelo permanente diálogo e reflexão dos sujeitos entre si sobre suas condições de existência. Para ele, todos os grupos sociais e, mais especificamente, as classes populares, historicamente estigmatizadas como alienantes e alienadas, têm a plena condição de alcançar a consciência das causas que produzem as desigualdades e injustiças sociais. Em sua prática pedagógica, cabe ao(à) professor(a) o papel de articular um diálogo público, aberto, franco e transparente com estudantes sobre as situações materiais, políticas, sociais e culturais que cercam a existência de todos. Nesse diálogo, o(a) professor(a) extrapola o domínio das abstrações teóricas, mergulhando nas relações concretas da sociedade, e os(as) estudantes alcançam um grau mais elevado de abstração sobre as relações sociais e as desigualdades da sociedade. Ao definir a educação como ação de conhecimento e ato político, Paulo Freire torna suas ideias e práxis pedagógica reconhecidas e valorizadas mundo afora.

É com esteio nesse imenso reconhecimento que o Centro de Educação da UECE, diante do afã de atitudes conservadoras que buscam desconstituir, de maneira mesquinha e desqualificada, a valorosa contribuição de Paulo Freire para a Educação, vem a público assumir um posicionamento acadêmico e político de endosso ao pensamento do Autor, alinhando-se ao movimento maior de educadores e instituições, assumidamente progressistas, que se exprimem a favor e à frente de causas crítico-libertadoras, a exemplo da Jornada Latino Americana de Luta em Defesa da Educação Pública, Gratuita, Laica e Emancipadora.

Não por acaso, intelectuais e educadores(as) de peso acadêmico internacional, como Licínio Lima, Luiza Cortesão, Isabel Alarcão e António Nóvoa, em Portugal; Ira Shor, Michael Apple, Henry Giroux e Peter McLaren, nos EUA; Henrique Dussel, no México; Marco Raúl Mejia, na Colômbia, dentre outros, referenciam em seus escritos os conceitos do Educador pernambucano. No Brasil, Ana Maria Saul, Eliete Santiago, João Francisco de Souza, Carlos Rodrigues Brandão, Osmar Fávero, Moacir Gadotti, Balduíno Andreolla e Maria Isabel da Cunha são alguns(mas) educadores(as) que se inspiram em Paulo Freire para fundamentar suas práticas pedagógicas. No Ceará, entre outros(as) educadores(as), Luiza Teodoro, Maria Nobre Damasceno, Maria Luiza Amorim, Ruth Cavalcante, Lúcia Helena Granjeiro e Estrela Fernandes assumiram o pensamento de Paulo Freire como referencial de suas produções e práticas.

Um rápido levantamento sobre a expressão da Pedagogia freireana nos leva a constatar que um de seus 20 livros escritos, individualmente, Pedagogia do Oprimido, em sua 59ª edição, alcançou um milhão de cópias no Exterior e, no Brasil, Pedagogia da Autonomia, em 51ª edição, atingiu um milhão e duzentas mil cópias.

Pesquisas recentes revelam que Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo em universidades da área de humanas e um dos cem teóricos mais estudados em universidades americanas, sendo o único brasileiro a compor o rol dos(as) utores(as) mais encontrados(as) nos programas de cursos de graduação.

Por seus trabalhos na área educacional, recebeu, entre outros, o Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento (Bélgica,1980), Prêmio UNESCO da Educação para a Paz (1986), Prêmio Andres Bello da Organização dos Estados Americanos (OEA), como Educador dos Continentes (1992). Foi condecorado com cerca de 40 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades no Brasil, Europa e nos Estados Unidos e tem seu nome dedicado a dezenas de centros de estudos e documentação, cátedras e institutos na Itália, Portugal, México, Chile, Bélgica, Estados Unidos e Brasil. Em 2012, Paulo Freire foi declarado o Patrono da Educação Brasileira, pela Lei nº12.612.

No Ceará, Paulo Reglus Neves Freire foi reconhecido pela Assembleia Le-gislativa, que lhe concedeu o título de Cidadão Cearense, pela Lei 12.569, em so-lenidade realizada no dia 10.04.1996. Em Fortaleza, Paulo Freire foi homenageado em outras duas ocasiões: recebeu a Medalha Frei Tito de Alencar, pelos relevantes serviços prestados à educação brasileira, outorgada pela Prefeitura de Fortaleza, na gestão de Maria Luiza Fontenele, no dia 25.03.1988, e o título de Doutor Honoris Causa (In memoriam), pela Universidade Federal do Ceará (UFC), recebido por Luthgardes Freire, seu filho mais novo. Anualmente, a Câmara de Vereadores de Fortaleza faz a entrega da Medalha Paulo Freire, com vistas a destacar instituições ou pessoas que reinventam a Pedagogia freireana ou dão significativo contributo à Educação do Município.

Vale salientar que o legado de Paulo Freire para a Educação Popular é digno de destaque em tempos e espaços que ultrapassem a academia. A Educação Libertadora é o esteio, a base da formulação da Teologia da Libertação, da Educação Popular, da Pesquisa Participante e de muitos outros movimentos sociais e lutas populares. Em sua última entrevista, concedida em 16 de abril de 1997, duas semanas antes de morrer de infarto, no dia 2 de maio, Paulo Freire se despediu de nós, dizendo que […] gostaria de ser lembrado como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a água, a vida.
O Andarilho da Utopia materializou em sua prática educativa a Pedagogia da Humanização como testemunho de respeito à autonomia dos sujeitos humanos, como luta pela educação como prática da liberdade e busca esperançosamente crítica pela justiça social, confrontando atitudes e movimentos conservadores, reacionários, hoje largamente propalados no Brasil, bem como no Ceará. Mesmo transitando em distintas áreas do conhecimento – Educação Escolar e Ambiental, movimentos sociais e saúde, um pensamento transversal que alcança um grande número de pesquisas registradas no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), as ideias universais de Paulo Freire, como todos sabemos, ainda estão longe de se constituirem unânimes. O momento difícil, todavia, que vivemos no País não pode justificar o trilhar na educação de caminhos que não almejem um mundo mais humanizado.

Por entendermos, com Freire, que não há como viver sem conhecer, nem conhecer sem construir e transformar, desejamos que esta carta se constitua como símbolo de esperança na reversão do quadro de desconstituição de direitos e da proeminência de uma lógica negadora da formação integral do ser humano, uma educação que se constitua e institua como mediação dos seres humanos entre si e com o mundo.

Solidários(as) e engajados(as) na luta iniciada por Paulo Freire, com quem aprendemos que é agindo-pensando que construímos e modificamos o mundo e a nós mesmos, conclamamos uma educação pública, popular, gratuita, laica e emancipadora, comprometida com princípios da formação crítico-libertadora, tendo como horizonte políticas públicas prenhes de justiça social. Paulo Freire, Presente! Presente! Presente!

Fortaleza, 19 de setembro de 2017