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A regulamentação da cooperação federativa e a instituição do Sistema Nacional de Educação – SNE, previsões constitucionais inscritas nos artigos 23 (Inciso V e Parágrafo Único) e 214 e, também, referenciadas no art. 13 e na estratégia 20.9 da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, do Plano Nacional de Educação (PNE), demanda histórica da sociedade civil organizada, especificamente das associações científicas e entidades sindicais, que propugnam pelo fortalecimento da democracia e da educação no Brasil,  encontram, atualmente, respostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional, em que se destaca o substitutivo apresentado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em 30/11/2021.

O substitutivo, da lavra do Deputado Idilvan Alencar (PDT/CE) aprecia o PLP 25/2019 (Dep. Professora Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO), PLP 47/2019 (Dep. Pedro Cunha Lima – PSDB/PB), PLP 216/2019 (Dep. Professora Rosa Neide – PT/MT e PLP 267/2020 (Rose Modesto – PSDB/MS e Mara Rocha – PSDB/AC). Convém, de plano, reconhecer o esforço de interlocução do relator e demais parlamentares (além das autoras e autor, inclusive o ex-Dep. Ságuas Moraes que, na legislatura anterior, apresentou o PLP 413/2014), com diferentes instituições e entidades, por meio de audiências, reuniões e solicitações de manifestações que, em grande medida, foram importantes para construção de avanços ao texto sobre SNE.

De igual modo, destacar a importância do PLP 216/2019, de autoria da Deputada Professora Rosa Neide que considerou as deliberações do Fórum Nacional de Educação (FNE), estruturado à época (2015) com efetiva, ampla e legítima participação das entidades nacionais, e, ao nosso juízo, também conduziu a apropriação de importantes conteúdos ao substitutivo em apreciação.

Neste sentido, e, convictas da importância histórica que representa a regulamentação do SNE para a educação brasileira, em todos os seus níveis, etapas e modalidades, as entidades que subscrevem este documento, ratificam algumas concepções e apontamentos em relação ao SNE, que requerem absoluta atenção dos legisladores.

Processos de negociação mais horizontais, melhor distribuição de poder e capacidade decisória, além de maior participação social e fortalecimento da gestão democrática em todos os níveis são algumas das dimensões que precisam ser consideradas para afirmar e estabilizar políticas de Estado no campo educacional, políticas públicas que devem ter o Plano Nacional de Educação (PNE) como epicentro, ou seja, como instrumento de planejamento e de mobilização da sociedade. Ratifica-se o SNE, nesta direção, visando contribuir para superar as históricas desigualdades nacionais, regionais e intra regionais por meio do aperfeiçoamento de políticas de financiamento, organização, gestão, avaliação, valorização profissional e apoio técnico-pedagógico, em regime de colaboração, tendo como horizonte o fortalecimento da democracia.

O SNE é incompatível com a supressão da autonomia dos entes federados e com a concentração de poder e recursos na União em relação à gestão da educação básica, tal como propõe o PLP 47/2019, proposição que colide com comandos constitucionais e legais. A lógica do substitutivo em debate – oposta à federalização da educação – está em sintonia com os princípios e objetivos da educação nacional.

As referências à “qualidade”, ao longo de todo texto, podem/devem ser acompanhadas da expressão “equidade”, condição ambicionada pelo SNE. De igual modo, o texto precisa ser bastante afirmativo no detalhamento de objetivos que reforcem o papel do poder público, a articulação federativa, a gestão democrática, as diversidades, a inclusão (em sua mais ampla abrangência), considerados todos os níveis, etapas e modalidades, além de inscrever sempre uma concepção ampla de valorização profissional (formação inicial e continuada, concurso público, remuneração condigna, carreira atrativa, adequadas condições de trabalho, liberdade de cátedra, saúde e piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação), e de avaliação diagnóstica e formativa e a política de financiamento com transparência..

Em razão da enorme dívida histórica, social e educacional, e enormes desafios em relação à educação escolar indígena e aos povos indígenas, o texto precisa afirmar e detalhar os territórios etnoeducacionais, de forma a elevar o instrumento e estabilizar políticas educacionais destinadas aos povos.

É bastante acertada a inclusão de políticas, programas e ações educacionais no escopo do sistema nacional. Isso ajuda a combater a descontinuidade das políticas públicas e outras práticas antirrepublicanas na gestão e no investimento dos recursos públicos. Neste sentido, a ausência de qualquer referência ao Plano de Ações Articuladas (PAR), Lei nº 12.695, de 25 de julho de 2012, como instrumento de articulação e realização conjunta de tais políticas, programas e ações, nos parece uma ausência que deve ser saneada.

O substitutivo deve aprofundar as possibilidades de ações compartilhadas ou complementares, notadamente referenciadas nos Conselhos de Educação acerca da regulação,  supervisão e avaliação da educação básica e superior visando garantir efetivo padrão de qualidade. Embora seja prerrogativa dos Conselhos autorizar o funcionamento de instituições privadas (e de fiscalizá-las) e garantir efetivo padrão de qualidade, caberia dispor sobre este aspecto de forma mais expressa. A Comissão Nacional dos Conselhos de Educação (CNCE) é um importante passo. Outras possibilidades vão na direção de incluir entre os objetivos do SNE redações do tipo: contribuir com os processos de acompanhamento, monitoramento, regulação e avaliação da educação pública e da rede privada de ensino, nos níveis básico e superior, de forma articulada e condicionada ao regramento público de educação; entre as atribuições da CITE pactuar a regulação, monitoramento e avaliação das instituições privadas de ensino de níveis básico e superior em âmbito federal;  e entre as atribuições da CIBE, a regulação, monitoramento e avaliação das instituições públicas e privadas de ensino de níveis básico e superior em âmbito estadual. Outrossim, não podem “desaparecer” referências ao ensino superior, também seu forte vínculo com a educação básica, e referências à regulação em seus âmbitos específicos.

São importantes os avanços em relação à pactuação do padrão mínimo de qualidade do ensino da

educação básica e do CAQ e referências tais como: “piso nacional salarial a todos os profissionais da educação, política de carreira aos profissionais da educação, número adequado de alunos por turma, número adequado de profissionais com contratos efetivos à luz da estratégia 18.1 do PNE, garantia de formação continuada, alimentação e transporte escolar condigno aos estudantes e a garantia de infraestrutura mínima como biblioteca, internet banda larga, laboratórios de ciências, laboratórios de informática e quadra poliesportiva coberta nas escolas” (proposta do Fórum Nacional de Educação).  No art. 27, III, do substitutivo deve-se acrescentar e a complementação federal. Ademais, as referências ao CAQ (monitoramento, metodologia etc,) devem considerar a escuta e oitiva da sociedade civil, da representação da academia e entidades da área educacional, dos trabalhadores em educação, dos conselhos normativos, da dita comunidade educacional, derivando em normatização vinculante harmônica ao dispositivo do PNE que assevera que “o CAQ será definido no prazo de 3 (três) anos e será continuamente ajustado, com base em metodologia formulada pelo Ministério da Educação – MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação – FNE, pelo Conselho Nacional de Educação – CNE e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal”.

A gestão democrática deve permear todas as estruturas, processos e níveis e, portanto, ser incentivada também nas instituições educativas através, inclusive, da participação da comunidade nas formas de escolha e provimento das direções destas instituições, bem como, nos demais canais de participação e decisão. Neste sentido, há importantes avanços quando se trata das conferências de educação, FNE e fóruns de educação, conselhos etc, neste tema. Conquanto, avaliamos que o substitutivo poderia enfrentar a discussão sobre a escolha de dirigentes de instituições públicas de ensino superior e provimento em cargo ou função de direção de estabelecimento de ensino por meio de eleição direta. Dadas a natureza e as peculiaridades dos processos educacionais na educação básica, torna-se relevante garantir a formação acadêmica no campo da educação para os que pretendem ingressar ou exercem as funções de gestores das instituições educacionais, desde as secretarias de educação às escolas.

De igual modo, constituirá um avanço o texto garantir representatividades na composição do Conselho Nacional de Educação (CNE), de modo a estabilizar aquele órgão como órgão de Estado e evitar um conselho sem representações relevantes e diversas da educação nacional, como ocorre hoje. Entre outras, ao menos, conselheiros indicados por representações oficiais de dirigentes de educação, básica e superior, sobretudo, das instituições públicas, dos trabalhadores em educação vinculados à educação básica e superior, das entidades nacionais com reconhecida atuação na política de gestão e formação dos profissionais da educação, das entidades nacionais de estudos e pesquisas em educação, dos conselhos estaduais e municipais de educação, das entidades representativas de estudantes e de movimentos sociais em defesa da educação, sem prejuízo de outras institucionalidades.

O texto precisa incorporar dispositivos, expressos e afirmativos, sobre a organização e funcionamento das instâncias colegiadas de participação, a exemplo: As despesas relativas ao funcionamento ordinário dos Fóruns e Conselhos Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais de Educação deverão ser previstas nos orçamentos anuais dos respectivos entes da federação, assegurada autonomia administrativa e orçamentária.

Ademais, o texto pode prever mecanismos de diálogo social nas Comissões Intergestores, incluindo representantes da sociedade civil, como conselheiros de educação de entidades não-governamentais, dos fóruns de educação vinculados a organizações educativas regidas pela Lei 13.109, de 31 de julho de 2014, da representação dos trabalhadores em educação, dos estudantes e de pais e responsáveis. Podem ser 7 (sete) representantes da sociedade civil organizada (CITE) e 6 (seis) representantes da sociedade civil organizada (CIBE), em sistema de rodízio, a compor as instâncias, conforme regulamento.

Em relação a avaliação, esta deve ser compreendida com a mais ampla abrangência por meio do fortalecimento de concepções diagnósticas e formativas em contraposição às políticas de avaliação estandardizadas e de resultados, indutoras de políticas de ranqueamento e meritocracia. Também devem ser ratificados o SINAES e instituído o SINAEB como partes integrantes do Sistema Nacional de Avaliação no SNE. Além disso, deve haver vínculo entre sistema de regulação, avaliação e padrões de qualidade, que precisa existir. Do contrário, o/a cidadã/a não vai saber se o parâmetro de qualidade social está sendo cumprido.

Outra questão fundamental consiste em assegurar a participação da sociedade nas instâncias estruturantes do SNE. Podem ser aperfeiçoadas redações afirmativas no sentido de promover o diálogo social e oitiva por meio de organismos como o Fórum Nacional de Educação (democrático e plural em contraposição a composição atual) e a CNCE, nos dispositivos que tratam das Comissões Intergestores. Uma possibilidade é acrescentar ao dispositivo geral relativo às responsabilidade das Comissões  e atribuições dos entes no SNE “apostos” do tipo devendo contar com a participação da sociedade em sua estrutura de funcionamento, nos termos do art. 193, parágrafo único da Constituição Federal e/ou assegurada a participação social no processo (art. 4º, Único e 5º, I) e/ou  assegurada a participação social no processo (art. 6º, VII, p.ex) e/ou promovendo a gestão democrática nos órgãos educacionais (art.7, p. ex).

As disposições atinentes ao FNE representam avanços em relação à necessária estabilização daquele colegiado como órgão de Estado, superando os limites do atual FNE. A alteração da composição do FNE, a ser feita exclusivamente por decisão do seu Pleno, é dispositivo meritório e explicita a preocupação do parlamento com os arroubos autoritários e intervenções, como a ocorrida, em 2017, sobre aquele colegiado, na gestão do, então, Ministro da Educação Mendonça Filho, que persiste. Cabe observar que as indicações para as Comissões Intergestores, a CNCE e o Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação (importante inovação), são acompanhadas das entidades que designam (procedimento acertado) e, no caso da FNE, propõe-se que seja adotado o mesmo padrão no texto, considerando entidades como a CNTE, CONTEE, ANPAE, ANPEd, ANFOPE, FASUBRA, FORUMDIR, PROIFES-FEDERAÇÃO, CAMPANHA, CUT, CONTAG, entre outras.

Em relação à valorização dos profissionais da educação, em vários momentos, sobretudo no quesito das diretrizes de carreira, a minuta restringe essa política apenas ao magistério (docentes). Não identificamos óbices, salvo melhor juízo, para tratar, no texto, do conjunto de trabalhadores, sempre, dos profissionais da educação, ao longo de todo o texto. É preciso manter o texto em consonância com o art. 206, incisos V, VIII e parágrafo único da CF e com a meta 18 do PNE. Ademais, as comissões podem pactuar aspectos relacionados à formação inicial e continuada, carreira e, também, e indicativos para a realização de concursos públicos para ingresso na carreira dos profissionais da educação. 

Em relação ao Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação, reitera-se, importante inovação, defendemos que haja a paridade governamental/sindical/entidades acadêmicas e científicas e a proporcionalidade destes entre as três esferas de representação OU a paridade direta entre representação governamental e CNTE.

Além disso, a demarcação de que a Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica deve contar com Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação Básica, que hoje têm delimitação em Decreto (ignorado pelo atual governo) é um marco fundamental. Assim, os fóruns devem ser previstos no SNE. Os Fóruns Estaduais Permanentes e o Fórum Permanente do Distrito Federal de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação Básica terão como atribuições:

I – elaborar e propor plano estratégico estadual ou distrital, conforme o caso, para a formação dos profissionais da educação, com base no Planejamento Estratégico Nacional;

II – acompanhar a execução do referido plano, avaliar e propor eventuais ajustes, com vistas ao aperfeiçoamento contínuo das ações integradas e colaborativas por ele propostas; e

III – manter agenda permanente de debates para o aperfeiçoamento da política nacional e de sua integração com as ações locais de formação.

Parágrafo. Nos Fóruns Estaduais Permanentes e no Fórum Permanente do Distrito Federal, terão assento representantes da esfera federal, estadual, municipal, das instituições formadoras e dos profissionais da educação, visando à concretização do regime de colaboração.

Nesses Fóruns deverá haver a indicação da necessária relação entre formação e condições de trabalho.

O atingimento da meta 20 do PNE (investimento em educação em proporção do PIB) exige considerar esforço fiscal e capacidade contributiva dos entes federativos e regulamentação efetiva da Lei nº 12.858 nas esferas federal, estadual e municipal, além da incorporação de novas fontes de receitas, inclusive oriundas do pré-sal, da taxação de lucros e dividendos de pessoas físicas e grandes fortunas e, ainda, do aprimoramento da distribuição da cota-parte do ICMS municipal, entre outras. Merece ser ressaltado, ainda, a maior participação da União na complementação dos recursos para a educação. As formas de controle social devem ser especificadas.

A possibilidade de constituição de formas de associação federativa para implementação de programas e ações educacionais, como consórcios públicos e outras formas previstas em lei, visando ao planejamento, à execução e ao financiamento comum dos serviços desta área, devem se circunscrever à indução da relação público-público, vedada qualquer forma de repasses à iniciativa privada ou quaisquer contratualizações/ gestões com o setor privado. Particularmente em relação aos consórcios (e acordos colaborativos), a Lei deve, reitera-se, prever apenas cooperação entre entes e entidades públicas, priorizando o investimento público em instituições de educação básica, universidades e institutos públicos, e equipamentos públicos. Por esta razão, sugere-se, também, substituir o termo “associativismo” por “cooperação”, e fazer-se acompanhados sempre das expressões “público” e “públicos”, lógica mais compatível com o escopo do PLP. Não se podem permitir brechas para mercantilizar e privatizar a educação, ainda que por meio de entidades e/ou consorciamentos privados sem fins lucrativos.

Em relação ao Financiamento da Educação Superior deve ser inscrito que cabe a cada ente federado assegurar, anualmente, em sua Lei Orçamentária e acima do percentual mínimo de vinculação constitucional, recursos específicos e suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ele mantidas.

Em relação à pactuação de contrapartidas na CIBE, esta deverá ser realizada de forma a incentivar a reestruturação dos planos de carreira e remuneração dos profissionais da educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com expansão de cargos efetivos através de concurso público.

Nos parece estratégico para maior consequência e efetividade da Lei Complementar pelo país, que seja fixado prazo para atualização/leis consentâneas pelos entes federativos: Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem organizar seus sistemas de ensino em lei específica, contados até 2 (dois) anos da aprovação da presente lei.

Esses são os apontamentos, ao tempo em que, reforçamos, reconhecemos os avanços já produzidos, até aqui, em relação a este diploma legal (texto substitutivo) tão requerido pelas entidades ao longo da história da educação brasileira, na expectativa de que o Relator e demais parlamentares componham uma Complementação de Voto com as presentes contribuições.

COORDENAÇÃO EXECUTIVA DO FNPE