A ANPEd enviou nesta terça-feira (3) nota pública à CAPES com questionamentos sobre mudanças nas políticas para a pós-graduação brasileira. “Nos últimos meses, o campo da Educação Superior no Brasil tem acompanhado um conjunto de medidas no âmbito da CAPES que, silenciosamente, sem discussão aberta com os diferentes sujeitos da comunidade acadêmica, redesenham aspectos estruturais do sistema de pós-graduação brasileiro”, afirma o texto em sua abertura.
O primeiro questionamento diz respeito a edital de 2017 que trata do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), que incorpora o insólito requisito de exigir proficiência em língua inglesa para candidatos/as que postulam bolsas para estágio em países lusófonos. Os programas de pós-graduação no Brasil já exigem que os pós-graduandos apresentem proficiência em uma língua estrangeira para o mestrado e em duas línguas para o doutorado, por isso é inusitado que, mesmo cumprido o requisito interno, tenham também de apresentar expressamente resultados em exames em língua inglesa, com notas que superam inclusive o exigido por muitos programas americanos. “A proficiência em língua inglesa para os destinos internacionais de língua portuguesa faz colapsar as bases da amizade e do tratamento respeitoso com os países da lusofonia e sinaliza para o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) do Brasil a desvalia da cultura, da ciência, do conhecimento e do saber que circulam em língua portuguesa”, avalia a nota. Vale registrar também que, neste edital, a CAPES não prevê a cobertura das taxas escolares no exterior, subsumindo-se a ideia de que as universidades com convênios firmados anteriormente poderiam liberar a exigência de pagamento de taxas, o que não condiz com a realidade.
Por sua vez, as universidades foram chamadas a submeter propostas individualizadas por instituição ao Programa Institucional de Internacionalização – Capes-Print. O pressuposto do programa é de que o apoio à internacionalização da pós-graduação deve encerrar as “demandas de balcão” e passar a ser regulada e financiada por chamadas de projetos institucionais de internacionalização. Na avaliação da ANPEd e a partir do retorno obtido junto aos programas, a ação deve acirrar a competição, tendo em vista os recursos limitados para internacionalização, sem a capacidade de contemplar todas as universidades. “Seria essa medida uma evidência do retorno ao conceito de centro de excelência (inter)nacional? Que efeitos esperados (e não esperados) ocorrerão a partir desta nova política de internacionalização? Quais as consequências para a produção científica em um sistema que precisa ainda superar as desigualdades regionais? Como uma política propõe uma outra forma de desenvolver a pesquisa e a pós-graduação em seus aspectos de internacionalização sem considerar parcerias existentes, vulnerabilidades institucionais e disparidades regionais?”, questina a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
A nota pública ainda pede esclarecimentos sobre rumores de que o Conselho Superior da CAPES estaria discutindo alterações profundas no sistema de avaliação da pós-graduação. Já são crescentes as críticas de falta de diálogo com a comunidade acadêmica e do avanço de uma lógica competitiva por indicadores eminentemente quantitativos de produção bibliográfica, que resultaria em um cenário predatório à efetiva inovação no sistema de pós-graduação. Contra isso, a área de educação tem se posicionado pela articulação da qualidade acadêmica com solidariedade e inclusão, buscando o desenvolvimento pleno das instituições públicas com responsabilidade social e inserção local, nas mais diversas regiões do país. A partir disso, a SBPC fez recentemente chamada para que as associações filiadas apresentassem sugestões para o aprimoramento do processo de avaliação. Algumas perguntas pertinentes: “por que tais debates e eventuais mudanças estão sendo feitas num momento de transição no CTC quando, em grande parte, os coordenadores de áreas estão finalizando seus mandatos e não se tem notícias de quem serão os novos coordenadores? Estará a diretoria da CAPES, de forma centralizada, a promover mudanças nos rumos da pós-graduação sem considerar o PNPG 2010-2020 e o acúmulo do debate nas áreas e no próprio SNPG?”
Diante deste cenário, a nota pública da ANPEd clama à CAPES que dispense o exame de língua inglesa para os candidatos PDSE (Edital 047/2017) que pleiteiam o estágio em países lusófonos; promova debates públicos sobre o que significa e como queremos fazer a internacionalização da pós-graduação;
amplie as discussões sobre o que tem significado o ajuste orçamentário e o Novo Regime Fiscal (NRF) decorrente da Emenda Fiscal 95/2016 para a pós-graduação no país. “Afinal, cabe indagar: os cortes no orçamento da CAPES, que resultaram em encolhimento de mais de 30% nos recursos executados entre 2015 (R$ 7 bilhões) e 2017 (R$ 4 bilhões)[1], estariam sendo assimilados por intermédio do estímulo a uma ainda maior competição interna entre universidades, programas de pós-graduação e pesquisadores? Ou está sendo construída uma “nova” concepção de pós-graduação nacional com marcas elitista, meritocrática e excludente? Ou se está exigindo que o SNPG faça ainda mais com muito menos? Ou seria tudo isto sob a justificativa de ajuste orçamentário?”
Para a ANPEd, é urgente que a comunidade acadêmica – associações de pesquisa, universidades, sindicatos e representantes estudantis – seja chamada a discutir publicamente, por intermédio de audiências públicas, relatórios, debates e reuniões, as medidas em andamento e seus efeitos para o Sistema Nacional de Pós-Graduação e para o cumprimento das metas de expansão previstos no PNPG e no PNE 2014-2024.
> Nota pública da diretoria da ANPEd: preocupações sobre mudanças silenciosas nas políticas da CAPES para a pós-graduação brasileira
Nos últimos meses, o campo da Educação Superior no Brasil tem acompanhado um conjunto de medidas no âmbito da CAPES que, silenciosamente, sem discussão aberta com os diferentes sujeitos da comunidade acadêmica, redesenham aspectos estruturais do sistema de pós-graduação brasileiro.
Em um primeiro movimento, ainda em 2017, houve uma consulta da CAPES às Pró-reitorias de Pós-Graduação sobre as relações internacionais das universidades, limitando-as a países prioritários e menoscabando países que compõem a comunidade lusófona e outros países que formam o eixo das relações Sul-Sul. A partir destes indícios, a ANPEd passou a acompanhar uma série de medidas com marcas de uma concepção restrita de internacionalização.
O edital de bolsa sanduíche para estudantes de doutorado é um exemplo concreto da onda de mudanças da política da CAPES para a internacionalização da pós-graduação. O Edital 047/2017, que trata do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) para oferecer bolsas de estágio em pesquisa de doutorado fora do país, cujo objetivo é a “formação de recursos humanos de alto nível para inserção nos meios acadêmico, de ensino e de pesquisa no país” (1.1 Da Finalidade), incorpora o insólito requisito de exigir proficiência em língua inglesa para candidatos/as que postulam bolsas para estágio em países lusófonos. Reza o item 8.5.6 do Edital 047/2017 da CAPES que “O(A) candidato(a) que pleitear bolsa para instituições de destino em países de língua portuguesa deverá apresentar a comprovação de nível mínimo de proficiência em inglês”. Esta exigência sinaliza que, para a CAPES, a internacionalização da pós-graduação brasileira prescinde do conhecimento cultivado e elaborado nos países em que se fala a língua Pátria Nacional – a língua portuguesa.
Os programas de pós-graduação no Brasil exigem que os pós-graduandos apresentem proficiência em uma língua estrangeira para o mestrado e em duas línguas para o doutorado, por isso é inusitado que, mesmo cumprido o requisito interno, tenham também de apresentar expressamente resultados em exames em língua inglesa, por intermédio do TOEFL IBT (79), TOEFL ITP (550), IELTS (6,0) e Cambridge Exam (CAE B2), que superam o exigido, por exemplo, para aceitação no Programa FullBright dos EUA que exige a nota de 527 no TOEFL ITP e 71 no TOEFL IBT. Porém, mais grave, deve-se ressaltar, é a exigência de língua inglesa para a frequência de estágios de pós-graduação em países da lusofonia. Em grande medida, a internacionalização da Educação Superior, fundada na interculturalidade e na solidariedade, é uma construção social de respeito mútuo e tal requisito. A proficiência em língua inglesa para os destinos internacionais de língua portuguesa faz colapsar as bases da amizade e do tratamento respeitoso com os países da lusofonia e sinaliza para o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) do Brasil a desvalia da cultura, da ciência, do conhecimento e do saber que circulam em língua portuguesa.
Vale registrar também que, neste edital, a CAPES não prevê a cobertura das taxas escolares no exterior, subsumindo-se a ideia de que as universidades com convênios firmados anteriormente poderiam liberar a exigência de pagamento de taxas. Sabemos que, infelizmente, poucas são as submissões para estágio no exterior (PDSE) cobertas por convênios que isentem o candidato de pagamento junto a universidade receptora. Aliás, este é um dos mitos da internacionalização, de que falam Jane Knight (2011)[1], Hans de Wit (2013)[2] e Azevedo (2014)[3], o de “supor que uma grande quantidade de convênios com universidades estrangeiras significa maior internacionalização da instituição”.
No mesmo sentido, em paralelo, as universidades foram chamadas a submeter propostas ao Programa Institucional de Internacionalização – Capes-PrInt, um concurso público por financiamento nacional regulado pelo Edital 041/2017. O pressuposto do programa é de que o apoio à internacionalização da pós-graduação deve encerrar as “demandas de balcão” e passar a ser regulada e financiada por chamadas de projetos institucionais de internacionalização. Desta maneira, o campo nacional de Educação Superior está sendo chamado a formatar, desde janeiro de 2018, projetos únicos por universidades. Os variados relatos que chegam à diretoria da ANPEd registram desde a alta competição a fortes exemplos de solidariedade. Assim como há universidades que tendem a provocar a articulação entre programas de pós-graduação, o que poderia ser avaliado como positivo, há também lutas internas que provocam a competição exacerbada frente às regras do novo edital da CAPES.
Dado que os projetos de cada instituição precisam demonstrar que estão à altura e em condições de concorrência com as demais universidades brasileiras, evidenciando que estão entre os melhores e mais produtivos, pois as pró-reitorias de pós-graduação e os comitês gestores sabem que os recursos para a internacionalização têm um limite e não contemplarão todas as universidades, acirra-se a competição. Seria essa medida uma evidência do retorno ao conceito de centro de excelência (inter)nacional? Que efeitos esperados (e não esperados) ocorrerão a partir desta nova política de internacionalização? Quais as consequências para a produção científica em um sistema que precisa ainda superar as desigualdades regionais? Como uma política propõe uma outra forma de desenvolver a pesquisa e a pós-graduação em seus aspectos de internacionalização sem considerar parcerias existentes, vulnerabilidades institucionais e disparidades regionais?
Por fim, nas últimas semanas crescem as notícias de que o Conselho Superior da CAPES está discutindo alterações profundas no sistema de avaliação da pós-graduação. Há muito tempo a comunidade acadêmica tem acumulado críticas ao avanço de uma lógica competitiva por indicadores eminentemente quantitativos de produção bibliográfica, que resultaria em um cenário predatório à efetiva inovação no sistema de pós-graduação. Porém, as notícias “a conta-gotas” sobre eventuais alterações indicam pouca mudança substantiva no processo, ou, pior, mudanças que acirram ainda mais o cenário de desigualdade e elitização do sistema de pós-graduação. Um caminho de mais desigualdade se contrapõe ao debate, na área de educação, que tem se posicionado pela articulação da qualidade acadêmica com solidariedade e inclusão, buscando o desenvolvimento pleno das instituições públicas com responsabilidade social e inserção local, nas mais diversas regiões do país.
O único movimento público neste processo foi, acertadamente, protagonizado pela SBPC que fez uma chamada para que as Associações Filiadas apresentassem sugestões para o aprimoramento do processo de avaliação. A partir do debate do Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação em Educação (FORPRED), instância da ANPEd, encaminhamos um conjunto de proposições para o debate. Porém algumas perguntas são pertinentes: por que tais debates e eventuais mudanças estão sendo feitas num momento de transição no CTC quando, em grande parte, os coordenadores de áreas estão finalizando seus mandatos e não se tem notícias de quem serão os novos coordenadores? Estará a diretoria da CAPES, de forma centralizada, a promover mudanças nos rumos da pós-graduação sem considerar o PNPG 2010-2020 e o acúmulo do debate nas áreas e no próprio SNPG?
Diante deste cenário, a ANPEd clama para que a CAPES:
- dispense o exame de língua inglesa para os candidatos PDSE (Edital 047/2017) que pleiteiam o estágio em países lusófonos;
- promova debates públicos sobre o que significa e como queremos fazer a internacionalização da pós-graduação;
- amplie as discussões sobre o que tem significado o ajuste orçamentário e o Novo Regime Fiscal (NRF) decorrente da Emenda Fiscal 95/2016 para a pós-graduação no país.
Esta última questão é urgente em face ao movimento silencioso em curso na política da Capes para a pós-graduação brasileira. Afinal, cabe indagar: os cortes no orçamento da CAPES, que resultaram em encolhimento de mais de 30% nos recursos executados entre 2015 (R$ 7 bilhões) e 2017 (R$ 4 bilhões)[4], estariam sendo assimilados por intermédio do estímulo a uma ainda maior competição interna entre universidades, programas de pós-graduação e pesquisadores? Ou está sendo construída uma “nova” concepção de pós-graduação nacional com marcas elitista, meritocrática e excludente? Ou se está exigindo que o SNPG faça ainda mais com muito menos? Ou seria tudo isto sob a justificativa de ajuste orçamentário? A quem interessa tais mudanças? A quem interessa que elas sejam silenciosas?
É urgente que a comunidade acadêmica – associações de pesquisa, universidades, sindicatos e representantes estudantis – seja chamada a discutir publicamente, por intermédio de audiências públicas, relatórios, debates e reuniões, as medidas em andamento e seus efeitos para o Sistema Nacional de Pós-Graduação e para o cumprimento das metas de expansão previstos no PNPG e no PNE 2014-2024.
[1] KNIGHT, Jane. Five myths about internationalisation. International HigherInternationalHigher Education. Boston College. Center for International Higher Education, issue 67, 23 fev 2011.
[2] De WIT, Hans. Internationalisation of Higher Education: na introduction on the why, how and what. In: Wit, Hans deHansde (editor). An Introduction to Higher Education Internationalisation. Milan, Italy: Centre for Higher Education Internationalisation (CHEI), Università Cattolica del SacrodelSacro Cuore, 2013.
[3] AZEVEDO, Mário L.N. A internacionalização da Educação Superior em questão: mitos, enganos e verdades. Horizontes LatinoAmericanos. FUNDAJ (Fundação Joaquim Nabuco), Recife, Vol. 3 | Nº 1 | Dec. 2014
[4] Dados Portal da Transparência (Execução orçamentária CAPES/ MEC)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd
(Portal ANPEd, 03/04/2018)